segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Recordações

Era por uma dessas noites vagarosas do inverno em que o brilho do céu sem lua é vivo e trêmulo; em que o gemer das selvas é profundo e longo; em que a soledade das praias e ribas fragosas do oceano é absoluta e tétrica.
Era a hora em que o homem está recolhido nas suas mesquinhas moradas; em que pelos cemitérios o orvalho se pendura do topo das cruzes e, sozinho, goteja das bordas das campas, em que só ele chora os mortos. As larvas da imaginação e o gear noturno afastam do campo-santo a saudade da viúva e do órfão, a desesperação da amante, o coração despedaçado do amigo. Para se consolarem, os infelizes dormiam tranquilos nos seus leitos macios!... enquanto os vermes iam roendo esses cadáveres amarrados pelos grilhões da morte. Hipócritas dos afetos humanos, o sono enxugou-lhes as lágrimas!
E depois, as lousas eram já frias! Nos seios do torrão úmido o sudário do cadáver tinha apodrecido com ele.
Haverá paz no túmulo? Deus sabe o destino de cada homem. Para o que aí repousa sei eu que há na terra o esquecimento!
Os mares pareciam naquela hora recordar-se ainda do rugido harmonioso do estio, e a vaga arqueava-se, rolava e, espreguiçando-se pela praia, refletia a espaços nas golfadas de escuma a luz indecisa dos céus.
E o animal que ri e chora, o rei da criação, a imagem da divindade, onde é que se escondera?
Tremia de frio em aposento cerrado, e sentia confrangido a brisa fresca do norte que passava nas trevas e sibilava contente nas sarças rasteiras dos maninhos desertos.
Sem dúvida, o homem é forte e a mais excelente obra da criação. Glória ao rei da natureza que tiritando geme!
Orgulho humano, qual és tu mais – feroz, estúpido ou ridículo?

                                                                   ALEXANDRE HERCULANO

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Dr. Sócrates

Enquanto a respiração lentamente se extinguia o ritmo frenético de mais de 40 mil corações pulsava. O paradoxo completava-se mostrando aos mais céticos que vida e morte são a mesma coisa.
Notícias premonitórias harmonizavam-se, pois, enquanto o quadro clínico mostrava-se a cada dia mais comprometido, o título esperado estava cada vez mais próximo. Todos intuíam o que ocorreria com ambos, no entanto, ninguém se atrevia a dizer o que aconteceria antes do ato consumado.
A morte pode ser poética, pode ser épica, pode ser histórica, como foi. Os imprudentes não ousam pensar em morte, enquanto os mais mórbidos procuram a ela se antecipar. A escolha escapa do determinismo humano, porém, quando criador e criatura se encontram “ocasionalmente”, a morte se torna então lendária.
Corações aflitos, divididos em gratidão, respeito e dor. Corações felizes, divididos em gratidão, respeito e amor.
No dia em que a esperança se renova, um homem levanta o véu da morte e adentra a história de uma nação. Um homem que talvez carregue como único demérito a falta cometida contra ele mesmo.
No silencioso quarto em que quase jaz um corpo abatido, a morte preenche o vazio que acaba se tornando presença. Não aparenta o semblante escuro ostentando sua foice fria. Hoje ela vem como anjo, trabalhando como homenagem àquele que será nesse dia sempre lembrado. E quando e gesto da vitória por esse homem não mais se manifestará, outros tantos em campo de batalha o farão, lembrando aos 40 mil corações que a vitória de hoje será para sempre dele.
Um coração pára, enquanto outros mil batem em seu lugar.
Ao final do dia a morte traz consigo a dualidade entre amor e ódio. Odiando-a por ceifar a vida de um homem admirado por muitos e, amando-a pela compaixão de fazê-lo em data tão estimada.
As lágrimas dessa nação confundem-se, mescladas entre a partida e a glória. O mito é então real, pois, se não houver sofrimento não são quem são. Humor negro que leva essa máxima ao extremo condicionando a vitória ao limite humano.
Ficam as palavras de evocação, as palavras de exaltação, as palavras de gratidão ecoando, ainda, eternamente dentro dos nossos corações.