Não compare a leitura desse livro ao filme com Brad Pitt
e Tom Cruise. Por mais que você tenha gostado do filme, ele não chega aos pés
da leitura do texto de Anne Rice. Nem que quisessem o longa-metragem seria um
terço do que a história conta.
Comecemos com as disparidades: Brad Pitt não perde a
esposa e o filho, não! A história é mais elaborada, seu sofrimento mortal é
proveniente da morte do próprio irmão. Louis (e não Bad Pitt) é testemunha essa
morte e se sente responsável pelo ocorrido, mas isso devido a inúmeras
situações apresentadas anteriormente. Louis é um sofredor, o mais terrível
sofredor que se possa imaginar, pois sua consciência questionadora o aprisiona
em um castelo de dúvidas; incertezas essas que o acompanharão por toda a obra.
O texto é muito bem escrito e Anne Rice consegue
transmitir toda a essência vampiresca em sua narrativa. Garotinhas acostumadas
com vampiros fluorescentes se sentirão frustradas, aqui não há espaço para
romances juvenis. Aqui o que temos é um vampiro de verdade.
Muitas passagens do livro são reflexivas, não para os
personagens apenas, mas para o leitor, pois a autora desmascara o sofrimento
humano em pensamentos imortais, e notamos que as incertezas humanas não são
tolices, são incertezas reais e que quando são vistas da perspectiva da
imortalidade, parece que se tornam ainda maiores. “As pessoas param de crer em Deus ou na bondade, mas continuam a
acreditar no diabo. Não sei por quê. Não, realmente não sei por quê. O mal é
sempre possível. E a bondade é eternamente difícil”. Disse Louis ao jovem
repórter durante a entrevista.
Louis é um personagem muito complexo. Pense em alguém que
sofre muito e a maior parte do tempo está consciente desse sofrimento, eis o
nosso personagem. Louis simplesmente se importa com a vida. Ela não a enxerga
com a frieza vampiresca comum, ele a valoriza e padece de sua condição que o
obriga a ceifar a existência humana para alimentar sua existência imortal.
Mas falemos um pouco de Lestat, a outra face da
imortalidade. Lestat transformou Louis, com a ilusão de que esse fosse o
vampiro certo para estar ao seu lado. Ele propôs a Louis uma escolha quando o
transformou, que escolhesse morrer ou a imortalidade. Louis seguiu Lestat nas
sombras imortais. E dessa escolha nasce uma relação de amor e ódio nos dois
sentidos. Louis esperava que Lestat fosse o seu professor, que o ensinasse os
segredos dessa vida incomum. Mas Lestat era zombeteiro e queria apenas que
Louis fosse como ele, sem preocupar-se com nada mais além de viver uma vida confortável
e sanguinária ao seu lado.
Com o desenvolver da narrativa, Louis percebe os
verdadeiros interesses de Lestat, que estavam voltados à sua fortuna e à
possível segurança que poderia desfrutar ao lado do novo vampiro. Lestat tem um
pai, Louis tem a mãe e a irmã. Veja que no livro eles não são vampiros sozinhos
no mundo, existe um contexto por trás de tudo, o que torna a história ainda
mais intrigante, principalmente sobre Lestat. Em algumas situações o pai do
vampiro conta a Louis sobre o filho, o que causa muita curiosidade, mas Lestat
se recusa a falar de seu passado ou sobre quem o transformou, deixando Louis
ainda mais confuso. Sem saber quem é Lestat de verdade, Louis faz as próprias
conjecturações, buscando decifrar o vampiro que está ao seu lado. Como em um
jogo, os diálogos entre essas personagens deixam sempre algo nas entrelinhas, o
leitor fica intrigado e desejando mais detalhes da trama. Mas.............não
se esqueça que esse é apenas o primeiro livro das crônicas vampirescas de Anne
Rice, portanto, muitas coisas ficarão, ainda, encobertas pelas trevas, vindo à
luz somente em obras posteriores.
Uma reflexão interessante de Louis é: “E eu a via doce e palpável à minha frente,
uma criatura frágil e preciosa que logo envelheceria, logo morreria, logo
perderia aqueles momentos que, em sua intangibilidade, nos prometem,
erradamente... erradamente, uma imortalidade. Como se fosse o nosso próprio
direito de nascer, do qual não conseguimos captar o sentido até chegarmos à
meia-idade, quando temos pela frente o mesmo número de anos pelo qual já
passamos e que já ficaram para trás. Quando cada momento deveria ser o primeiro
vivido e assim apreciado.” Sabiamente, o imortal define a maturidade humana
com relação à própria existência. Nossa maneira torta de enxergarmos a
juventude como época de imortalidade, como se fossemos eternos e que nada mais
importasse, a não ser viver intensamente esses breves momentos áureos,
acreditando que tudo estará sempre a nossa disposição. A maturidade só chega
com a experiência e com ela percebemos que a fugacidade da vida é real e que
apreciar a vida é mais do que viver de aventuras e inconsequências.
Mas, destaco aqui, a partir dessas palavras destinadas à visão de Louis de uma jovem, a personagem Cláudia. A doce vampirinha que vem
colorir as páginas do livro com sua intempestiva personalidade. A princípio
seria ela alimento para Louis em um momento de fraqueza, mas, que por maldade
(ou medo de que Louis o abandonasse) Lestat a transforma, fazendo com que Louis
e toda a sua compaixão adotem a pequena como membro dessa intrigante família.
Inicialmente, Louis ensina a Cláudia tudo o que sabe, mas
com o passar dos anos, o que Anne Rice nos apresenta é uma mulher presa em um
corpo infante. Sua linguagem e seus modos não são de criança; sua ousadia e
seus desejos deixam de ser jogos infantis. Cláudia tem o desejo por sangue de
Lestat e o coração descompassado de Louis. Mais uma vez aqui temos um
distanciamento da obra cinematográfica e do livro publicado. A Cláudia impressa
nas folhas do papel é mais ardilosa e sensual, suas falas nos fazem pensar que
não se trata de uma criança frágil, mas de uma amante sanguinária e
manipuladora.
A tensão no livro é constante, mas fica mais evidente
quando Louis conhece Armand, o vampiro europeu, e por ele se apaixona. Armand
surge como o exemplo de vampiro esperado por Louis há muito tempo, sua postura
e a forma como enxerga o mundo vão ao encontro daquilo que Louis procurava em
um mestre. No filme isso não fica tão evidente, mas no livro é possível
perceber que esse encontro é o encontro de duas almas irmãs, como se Armand e
Louis fossem destinados um ao outro. Não pense em encontros românticos!!!!!!
Não é isso! Mesmo que exista um tom romântico nessas palavras, o encontro
desses imortais é mais do que romance, é algo transcendental. Os mais
preconceituosos enxergarão o que Anne Rice não colocou no papel, para esses
deixo minhas lamentações e recomendo a leitura de “Crepúsculo”, pois essa sim é
uma leitura para o seu nível de interpretação!
Sem mais spoiler, essa obra deixa marcas. Para todos os
amantes das trevas, Anne Rice deixa um legado com a primeira obra da série. É
inevitável a sensação de vazio quando terminamos a leitura desse texto, ao
mesmo tempo em que queremos chegar ao final, dói o coração quando as páginas se
encerram. Mas, ainda bem que a autora não nos deixou na mão e escreveu mais de
uma dezena de livros dessa sequência.
Sem mais, tira a bunda da cadeira e corra já comprar seu
livro! Afinal, como diria Louis: Só nós
(humanidade) compreendemos o passar do tempo e o valor de cada minuto da vida
humana. Faça a sua leitura valer a pena!

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