segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

ENTREVISTA COM O VAMPIRO - ANNE RICE

Não compare a leitura desse livro ao filme com Brad Pitt e Tom Cruise. Por mais que você tenha gostado do filme, ele não chega aos pés da leitura do texto de Anne Rice. Nem que quisessem o longa-metragem seria um terço do que a história conta.
Comecemos com as disparidades: Brad Pitt não perde a esposa e o filho, não! A história é mais elaborada, seu sofrimento mortal é proveniente da morte do próprio irmão. Louis (e não Bad Pitt) é testemunha essa morte e se sente responsável pelo ocorrido, mas isso devido a inúmeras situações apresentadas anteriormente. Louis é um sofredor, o mais terrível sofredor que se possa imaginar, pois sua consciência questionadora o aprisiona em um castelo de dúvidas; incertezas essas que o acompanharão por toda a obra.
O texto é muito bem escrito e Anne Rice consegue transmitir toda a essência vampiresca em sua narrativa. Garotinhas acostumadas com vampiros fluorescentes se sentirão frustradas, aqui não há espaço para romances juvenis. Aqui o que temos é um vampiro de verdade.
Muitas passagens do livro são reflexivas, não para os personagens apenas, mas para o leitor, pois a autora desmascara o sofrimento humano em pensamentos imortais, e notamos que as incertezas humanas não são tolices, são incertezas reais e que quando são vistas da perspectiva da imortalidade, parece que se tornam ainda maiores. “As pessoas param de crer em Deus ou na bondade, mas continuam a acreditar no diabo. Não sei por quê. Não, realmente não sei por quê. O mal é sempre possível. E a bondade é eternamente difícil”. Disse Louis ao jovem repórter durante a entrevista.
Louis é um personagem muito complexo. Pense em alguém que sofre muito e a maior parte do tempo está consciente desse sofrimento, eis o nosso personagem. Louis simplesmente se importa com a vida. Ela não a enxerga com a frieza vampiresca comum, ele a valoriza e padece de sua condição que o obriga a ceifar a existência humana para alimentar sua existência imortal.
Mas falemos um pouco de Lestat, a outra face da imortalidade. Lestat transformou Louis, com a ilusão de que esse fosse o vampiro certo para estar ao seu lado. Ele propôs a Louis uma escolha quando o transformou, que escolhesse morrer ou a imortalidade. Louis seguiu Lestat nas sombras imortais. E dessa escolha nasce uma relação de amor e ódio nos dois sentidos. Louis esperava que Lestat fosse o seu professor, que o ensinasse os segredos dessa vida incomum. Mas Lestat era zombeteiro e queria apenas que Louis fosse como ele, sem preocupar-se com nada mais além de viver uma vida confortável e sanguinária ao seu lado.
Com o desenvolver da narrativa, Louis percebe os verdadeiros interesses de Lestat, que estavam voltados à sua fortuna e à possível segurança que poderia desfrutar ao lado do novo vampiro. Lestat tem um pai, Louis tem a mãe e a irmã. Veja que no livro eles não são vampiros sozinhos no mundo, existe um contexto por trás de tudo, o que torna a história ainda mais intrigante, principalmente sobre Lestat. Em algumas situações o pai do vampiro conta a Louis sobre o filho, o que causa muita curiosidade, mas Lestat se recusa a falar de seu passado ou sobre quem o transformou, deixando Louis ainda mais confuso. Sem saber quem é Lestat de verdade, Louis faz as próprias conjecturações, buscando decifrar o vampiro que está ao seu lado. Como em um jogo, os diálogos entre essas personagens deixam sempre algo nas entrelinhas, o leitor fica intrigado e desejando mais detalhes da trama. Mas.............não se esqueça que esse é apenas o primeiro livro das crônicas vampirescas de Anne Rice, portanto, muitas coisas ficarão, ainda, encobertas pelas trevas, vindo à luz somente em obras posteriores.
Uma reflexão interessante de Louis é: “E eu a via doce e palpável à minha frente, uma criatura frágil e preciosa que logo envelheceria, logo morreria, logo perderia aqueles momentos que, em sua intangibilidade, nos prometem, erradamente... erradamente, uma imortalidade. Como se fosse o nosso próprio direito de nascer, do qual não conseguimos captar o sentido até chegarmos à meia-idade, quando temos pela frente o mesmo número de anos pelo qual já passamos e que já ficaram para trás. Quando cada momento deveria ser o primeiro vivido e assim apreciado.” Sabiamente, o imortal define a maturidade humana com relação à própria existência. Nossa maneira torta de enxergarmos a juventude como época de imortalidade, como se fossemos eternos e que nada mais importasse, a não ser viver intensamente esses breves momentos áureos, acreditando que tudo estará sempre a nossa disposição. A maturidade só chega com a experiência e com ela percebemos que a fugacidade da vida é real e que apreciar a vida é mais do que viver de aventuras e inconsequências.
Mas, destaco aqui, a partir dessas palavras destinadas à visão de Louis de uma jovem, a personagem Cláudia. A doce vampirinha que vem colorir as páginas do livro com sua intempestiva personalidade. A princípio seria ela alimento para Louis em um momento de fraqueza, mas, que por maldade (ou medo de que Louis o abandonasse) Lestat a transforma, fazendo com que Louis e toda a sua compaixão adotem a pequena como membro dessa intrigante família.
Inicialmente, Louis ensina a Cláudia tudo o que sabe, mas com o passar dos anos, o que Anne Rice nos apresenta é uma mulher presa em um corpo infante. Sua linguagem e seus modos não são de criança; sua ousadia e seus desejos deixam de ser jogos infantis. Cláudia tem o desejo por sangue de Lestat e o coração descompassado de Louis. Mais uma vez aqui temos um distanciamento da obra cinematográfica e do livro publicado. A Cláudia impressa nas folhas do papel é mais ardilosa e sensual, suas falas nos fazem pensar que não se trata de uma criança frágil, mas de uma amante sanguinária e manipuladora.
A tensão no livro é constante, mas fica mais evidente quando Louis conhece Armand, o vampiro europeu, e por ele se apaixona. Armand surge como o exemplo de vampiro esperado por Louis há muito tempo, sua postura e a forma como enxerga o mundo vão ao encontro daquilo que Louis procurava em um mestre. No filme isso não fica tão evidente, mas no livro é possível perceber que esse encontro é o encontro de duas almas irmãs, como se Armand e Louis fossem destinados um ao outro. Não pense em encontros românticos!!!!!! Não é isso! Mesmo que exista um tom romântico nessas palavras, o encontro desses imortais é mais do que romance, é algo transcendental. Os mais preconceituosos enxergarão o que Anne Rice não colocou no papel, para esses deixo minhas lamentações e recomendo a leitura de “Crepúsculo”, pois essa sim é uma leitura para o seu nível de interpretação!
Sem mais spoiler, essa obra deixa marcas. Para todos os amantes das trevas, Anne Rice deixa um legado com a primeira obra da série. É inevitável a sensação de vazio quando terminamos a leitura desse texto, ao mesmo tempo em que queremos chegar ao final, dói o coração quando as páginas se encerram. Mas, ainda bem que a autora não nos deixou na mão e escreveu mais de uma dezena de livros dessa sequência.

Sem mais, tira a bunda da cadeira e corra já comprar seu livro! Afinal, como diria Louis: Só nós (humanidade) compreendemos o passar do tempo e o valor de cada minuto da vida humana. Faça a sua leitura valer a pena!

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