Sentada alí, em frente ao salão mortuário, eu me perguntava: por quê? essa é a clássica pergunta que não tem resposta, pelo menos a resposta que queremos. Qualquer resposta seria ridícula, afinal, não queremos que nenhuma resposta surja, só queremos sofrer e perguntar o porquê de tudo isso, somos estranhos.
O garotinho era desconhecido, não sei nem o nome dele. Conheço apenas seu irmão, e nem o conheço tão bem assim. Na verdade nem gosto muito dele, mas achei que seria bom ir ao velório de seu irmãozinho. Sou meio esquisita também, seria legal ir a um velório.
Agora eu estava ali, sentada em um banco de madeira com duas pessoas ao meu lado, o pseudo-amigo e seu namorado. Esqueci de contar essa parte, ele era homossexual. Estava uma situação bem estranha, mas ninguém falava nada. Nessas horas, ninguém se preocupa com nada, nada mais faz sentido.
Decidi entrar na pequena capela mortuária, uma vontade besta de ver o corpo do garotinho desconhecido. Achei que seria de bom gosto cumprimentar a mãe, mas confesso que esse meu lado mais sombrio é que ditava as regras, queria olhar, furtivamente, o corpo dentro do caixão.
A mãe estava chorando, novidade. Mas mães me comovem sempre, senti a dor dela quando a toquei. Um calafrio percorreu meu corpo e senti a dor que a perturbava. Não consegui olhar para o garotinho. Tentei fazer com que meu olhar se perdesse na sala, mas a dor daquela mãe foi maior. Achei que e
staria profanando aquele corpo infantil se meu olhar o mirasse. Tudo o que pude ver foi um rosto pálido coberto por um fino véu. Não olhei mais.
Senti-me mal, era preciso sair dali e respirar ar mais fresco. Sentei-me outra vez, no mesmo banco. Ao lado dos jovens que eu mal conhecia. Tive a impressão que eu era uma intrusa, afinal, o que eu estava fazendo ali? Mas, resolvi ficar assim mesmo.
Meus olhos agora só conseguiam mirar o chão, não tinha mais vontade de olhar nos olhos de mais ninguém. Assim que pudesse, sairia dali, foi um erro, não deveria ter ido.

Uma pequena formiga entra no meu campo de visão, bem pequenina. Tenho vontade de pisar nela, esmagá-la com toda a angústia que estou sentindo. A formiga, a pequena formiga tem uma coisa que o garotinho dentro da sala mortuária não tem. A formiga segue a sua vida, caminha seus passos de formiga, faz as coisas de formiga, vive sua vida de formiga. O garotinho não tem o que a formiga tem. Como assim, eu penso. Por que a formiga anda enquanto o garoto está adormecido para sempre? Como duas criaturas tão singulares podem se diferenciar por algo que é comum a todos? Por que a formiga deve viver e o garotinho morrer? Tento encontrar uma razão para tudo isso, mas acho que não existe. Tive vontade de roubar aquela essência vital que existia na formiga e levar de presente para o garotinho. Quem precisa de formigas? Seria muito melhor ver um garotinho sorrindo. Não pude fazer nada. Que raiva! Era muito injusto! Um pássaro passou voando baixo e pousou perto da porta da câmara mortuária. Era uma afronta! Um pássaro! Quem precisa de pássaros? Vamos roubar essa essência que esse pássaro também tem! O mundo já está cheio de pássaros, preciso agora mesmo desse! Mas não pude fazer nada! A vida continuava a se agitar ao redor do garotinho sem vida, tudo agora era impotência, eu não podia fazer nada, ninguém podia.
Fiquei pensando essas besteiras por um longo tempo, nem sei bem quanto, mas quando notei, estava sozinha no banco. Era hora de partir, não havia mais ninguém a olhar nos olhos. Pisei na formiga.