segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

I- Sono Interrompido

O sono havia sido interrompido mais uma vez. Susan despertou no meio da noite com a sensação de estar sendo observada. Aquela sensação insistia em acompanhá-la já há algum tempo. O coração disparado, e a angustia que lhe subia até a garganta, com a mente confusa e os olhos inquietos, procurava no quarto ao seu redor o motivo do sono ter sido interrompido. Outra vez.
Olhou ao relógio ao lado de sua cama, que marcava quinze minutos para as três da manhã, e ainda que contrariada levantou-se, afinal sentia que alguma coisa estava errada, não poderia deixar-se levar pelo desespero, porém já estava cansada. O medo a assolava, sentir-se observada em sua própria casa, e não saber por que acordava toda noite ao mesmo horário. O desespero era realmente algo que estava tornando sua vida insuportável.
Seu quarto estava aparentemente normal, uma poltrona em um dos cantos, uma cômoda bem grande ao lado, tudo parecia quieto, tudo parecia encará-la de volta. Os objetos de Mike ainda estavam presentes, mesmo após dois anos do falecimento do marido, Susan não se desfez de nada. Não havia tido coragem, sentia que se tirasse qualquer objeto do seu lugar estaria traindo a memória do marido, estaria deixando-o esquecido, e ela não queria isso. Josh o filho de seis anos precisava ter lembranças do pai, e Susan queria que os objetos ocupassem a ausência do pai.
A porta do quarto estava entreaberta, ela queria ouvir caso o filho a chamasse no meio da noite, mesmo que ele não a chamasse, Susan queria mostrar ao filho que estaria sempre por perto. E ainda confusa e sonolenta decidiu deitar-se novamente e tentar dormir. Ajeitou o travesseiro e pegou o cobertor que estava aos pés para cobrir-se, e ao puxá-lo viu quando uma sombra passou em frente à porta de seu quarto. Lembrou-se de Josh e chamou-o:
- Josh, está tudo bem? O que foi?- perguntou Susan.
Porém não houve resposta, ela se sentou na cama e aguardou que o filho lhe respondesse ou então que aparecesse na porta do quarto para falar com ela, mas nada aconteceu.
Ela se levantou da cama e caminhou até a porta do quarto abrindo-a, mas o filho não estava no corredor. Achou tudo muito estranho, e sua angustia e inquietações foram voltando.
- Josh, onde você está? – perguntou novamente olhando para os dois lados do corredor.
A única luz que podia ser vista era a de um abajur que estava aceso no quarto de Josh que iluminava uma parte do corredor passando por uma fresta aberta da porta. Susan foi caminhando até a porta do quarto do filho e com cuidado abriu-a. Josh estava deitado em sua cama.
Ela se aproximou do menino e tocou-lhe a cabeça, passando a mão em seus cabelos, a criança se virou e Susan percebeu que o filho estava em sono profundo. Ao mesmo tempo em que seu coração se acalmou vendo o filho dormir, ela voltou a sentir que estava sendo observada, e o medo retornou.  Como ela poderia ter visto alguém passar em frente à porta de seu quarto se Josh estava dormindo? Ela se perguntava.
Voltou para o seu quarto e deitou-se na cama, mas não conseguia tirar os olhos da porta. Estava com medo, mas estava tentando pensar de maneira coerente, se não havia sido o filho, era algum estranho, pois apenas os dois estavam na casa. Todas as portas e janelas estavam trancadas, mas mesmo assim alguém havia entrado. Levantou-se rapidamente e foi até o armário, alcançou uma caixa guardada na parte superior e retirou de dentro uma arma que havia sido de seu marido. Colocou munição, e caminhou até a porta do quarto. Olhou o corredor com atenção, mas não havia ninguém. Foi até o quarto do filho e após entrar trancou a porta. Olhou debaixo da cama e dentro do armário, sentou-se em uma poltrona que ficava ao lado da cama do menino e esperou.
O medo estava consumindo seus pensamentos, queria sair dali com Josh, mas não conseguiria. Sentiu falta de Mike, se ele estivesse com eles, estariam mais seguros. Mas seus pensamentos foram interrompidos, o som de um objeto sendo quebrado no andar de baixo a assustou. Agora Susan estava consciente de que mais alguém estava na casa.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

V- Escolhas

O tempo havia lhe tornado calejado, um sexto sentido mais apurado fazia-o sentir o clima diferente que o circundava, por muito tempo tentara calar essas impressões, porém descobriu que poderiam servir como um fator positivo, essas chamadas impressões haviam lhe salvado a vida inúmeras vezes. Agora esse alerta estava ligado, tinha alguma coisa errada.
Liz se desprendeu de seus braços, e agora estavam dentro de uma sala escura, algumas armaduras medievais estavam dispostas próximas as paredes, objetos muito antigos, castiçais, espelhos, quadros, esculturas, com certeza o caminho não era aquele. Passou a mão na cintura e lembrou-se que estava sem sua arma. Teria que lutar apenas com sua habilidade e conhecimento, colocando-se em posição de defesa esperou.
Escutava a respiração de Liz na mesma sala, e um murmúrio que parecia choro. Aos poucos ele tentava entender aquela situação, afinal, o que estava acontecendo? A porta por onde entraram se iluminou brandamente, uma imagem se formava. Seus instintos não o haviam enganado.
Os olhos vermelhos como duas chamas eram vistos com facilidade, a pele alva e translúcida, não era belo, era assustador, uma figura com aparência animalizada mas que carregava no semblante resquícios de uma vida humana esquecida. Adentrou a sala segurando um archote parecido com o que foi encontrado na entrada do subsolo. A criatura colocou-o na estrutura da parede e aproximou-se um pouco mais devagar. Agora ele podia ver Liz em um canto, com os braços cruzados no peito como se estivesse abraçando a si mesma, ou segurando-se para não ir até onde ele estava.
Liz falou com a criatura, chamando-o de Philipi e lembrando-o do que havia sido combinado. Lembrou-o de sua promessa, que não machucaria aquele que a procurava, faria isso por ela.
Tudo estava muito confuso, o que significava tudo aquilo? O que Liz estava fazendo ali? Que tipo de acordo era esse entra ela e esse tal Philipi? Mesmo sem entender ao certo, ele manteve-se em posição de defesa e estava pronto para agir, porém Liz antecedeu-se com palavras. Contou-lhe que ela era como Philipi, e que já fazia algum tempo que queria lhe contar a verdade, porém sabia que ele não entenderia, e achou melhor atrai-lo até o local onde se reuniam para lhe mostrar a verdade ao invés de contá-la. Os olhos de Liz eram tão vermelhos como os de Philipi, e agora sua postura era diferente, não era mais a garota indefesa que aparentava a poucos minutos atrás. Ela caminhava em círculos ao redor dele, contando-lhe aos poucos sua história, mas ele não expressava nenhum sentimento. Philipi o encarava, e disse para que Liz fosse breve, pois era arriscado prolongar uma situação como aquela.
Liz aproximou-se esticando-lhe uma das mãos pedindo a ele que se juntasse a ela, o propósito de tudo aquilo era torna-lo como eles. Liz havia convencido Philipi que um aliado com um potencial tão grande seria perfeito, pois teriam um caçador trabalhando do lado oposto, a proteção da raça estaria garantida.
Philipi sorriu ironicamente, dizendo para Liz que a raça nunca seria extinta, não eram tantos como antigamente, mas ainda existiam em um numero considerável, que assim como ela viviam uma vida quase real, escondidos em trejeitos humanos, usando de múltiplas personalidades para a sobrevivencia. Eram inteligentes, haviam sobrevivido durante séculos, não precisavam de nenhum caçador, era um erro o que ela queria. Liz grunhiu para Philipi, dizendo-lhe que ela queria daquela forma, e que não aceitaria nada diferente do que ela já havia planejado.
Ela estava discutindo por causa dele? O que ela pensava? Que ele aceitaria fazer parte dessa raça? Por anos lutara contra tais criaturas e agora se renderia a elas? Por Liz? Ele sabia que teria que se posicionar perante aquela situação, e ainda questionava-se quanto ao que fazer, mas o que era certo e errado? O que fazer quando quem se ama não é quem se ama de verdade? O que era de verdade?
Liz aproximou-se dele um pouco mais, e lhe disse que ficaria tudo bem, seria tudo muito rápido (como se ele não soubesse), e pediu que ele a deixasse abraça-lo. Liz se aproximava com cautela, e ele afastou-se bruscamente, Philipi gargalhou. Liz tentou mais uma vez, e ele olhou a sua volta, procurando...ela se aproximou e ele foi se afastando até que em suas costas encontrou um obstáculo. Pela primeira vez ele falou com Liz, e pediu que ela não o fizesse sofrer mais. Ela concordou, e pela ultima vez tocou o rosto dele com delicadeza, e ele pode ver nos olhos escarlate que aquela não era a sua Liz, quem ele amou não existia.
Liz virou-se para Philipi, e com um singelo sorriso lhe disse que seu plano iria dar certo. Os olhos de Philipi que eram de prazer, subitamente se modificaram e Liz pode ver a expressão de surpresa em seu semblante, o mundo estava em câmera lenta enquanto tentava entender o que acontecia.
Os anos de experiência caçando criaturas como Liz haviam lhe deixado preparado para o inesperado, e a espada enferrujada de uma das armaduras era a única forma de defesa, e sem pensar muito nas consequencias ele a empunhou quando Liz se virou (amadora), e em um único golpe desferido, decapitou-a, matando juntamente uma parte de si. Porém a parte ainda viva em seu coração não permitia trair sua consciência, era o certo a ser feito, para isso havia sido treinado, para momentos como aquele, onde a razão supera a emoção. E mesmo ferido de morte emocionalmente, empunhou a espada com mais firmeza. Philipi havia desaparecido.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

IV- Respostas

Gotas muito frias lhe caiam no rosto e escorriam-lhe até a boca, tinha gosto de ferrugem e a sensação de acordar de um transe o dominou. Abrindo os olhos não sabia se estavam realmente abertos, não conseguia enxergar nada, insistia em tentar ver alguma coisa, passando as mãos no chão ao seu lado, sentiu um piso frio, bem diferente daquele em que ele estava algum tempo atrás, quanto tempo? Não sabia por quanto tempo havia ficado desacordado, podiam ter passado alguns minutos, algumas horas, ou muito mais tempo. Levantou-se e sentiu a cabeça doer, a pancada havia sido bem forte, mas não entendia o porque de ainda estar vivo, a tal criatura podia tê-lo matado, mas não o fez, e por que não?
Pegou em um dos bolsos o isqueiro antigo, havia um pouco de fluido e conseguiu acendê-lo, iluminando o que parecia uma cela, um teto alto e paredes de pedra com apenas uma passagem vinda de uma porta de madeira em péssimas condições.Era provável conseguir abri-la, porém sua cabeça ainda doía muito e não sabia o que fazer. Deitou-se exausto, desistindo momentaneamente de fazer algo por si. Fechou os olhos e não conseguia acreditar no que estava vivendo.
Uma luz pode ser vista vinda do lado de fora da porta, a sombra formada por baixo indicava a presença de alguém, arrastou-se para perto da entrada e aguardou a oportunidade de atacar quem quer que entrasse. Um estalido da fechadura acelerou seus pensamentos, armando-se apenas de vontade, pois sua arma havia sumido, aguardava pelo momento certo de reverter aquela situação. O rangido da maçaneta era o ultimo sinal, seria agora.
Uma sombra formo-se no umbral da porta e a mesma sombra insinuo-se para dentro da cela devagar, mas ele já aguardava por esse momento, e saltando para cima do invasor jogou-o contra a parede oposta, imobilizando-o sem qualquer chance de movimento. Mas um grito o assustou, não era o que ele pensava ser, o invasor não era uma ameaça, na verdade era a causa de sua busca até aquela casa. Era Liz.
Assustada, ela chorava copiosamente sentindo a dor da pancada em suas costelas. E afastando-se na penumbra que cobria agora cela ele se assegurou que era Liz.
Pedindo desculpas ele a abraçou, e Liz ainda assustada apenas conseguia chorar e abraça-lo de volta.
Saindo da cela ele pode verificar que ela estava ferida, seu rosto estava com diversos cortes, suas roupas estavam rasgadas e havia muito mais sangue nela do que ferimentos reais. Ele lhe perguntou o que era tudo aquilo e como ela o havia encontrado. Mas Liz estava confusa e disse que havia sido torturada e que fugiu havia pouco tempo, mas antes de fugir viu quando ele foi levado até aquela alcova pois ela estava bem perto dali. Ele não entendia e perguntou a Liz quem os havia atacado. Os olhos da garota pareciam chocados, lágrimas começaram a se formar e balbuciando algumas palavras ela respondeu que não sabia dizer bem o que era aquilo, lembrava dos olhos vermelhos, e sempre estava tão escuro, mas tinha uma força descomunal, não entendia o por que de não a ter matado, apenas torturava-a, e a aterrorizava com seus grunhidos infernais, medo era a palavra que ela mais falava. Liz parecia aterrorizada, e mesmo imaginando a identidade daquela criatura ele não falaria para ela, não agora.
Mas ele ainda não entendia o por que de estarem vivos, e decidiu pensar nisso depois, era hora de voltar para a casa e tentar sair daquele lugar estranho que se encontravam. Amparando Liz em um dos braços saiu da cela e percebeu que estava em um outro corredor, e agora onde era a saída? A garota lhe indicou uma direção e seguiram por ela, a escuridão não era mais tão densa e podiam enxergar um pouco melhor os próprios pés. Diversas portas podiam ser vistas por onde passavam, e não entendia ainda como tudo aquilo era encoberto por aquela casa simples por onde entrou.
Liz apontou uma entrada, dizendo que se lembrava ter passado por ali antes, e seguiram por ela sem ter certeza absoluta de nada. Ele parou, alguma coisa estava errada.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

III- Para baixo

Uma escada em espiral se delineou sob a luz do relâmpago, e ainda sem entender como era possível haver tal passagem por trás de tão diminuta porta ele começou a descer. A medida que ia descendo seus olhos iam se habituando à escuridão e pode perceber que mais a frente uma luz era possível ser vista, tremulando suavemente, provinha de alguma chama, o que tornava a descida mais assustadora, mas não para ele.
Um archote preso a parede no final da escada era a única luminosidade presente, e com um rangido agudo ele o retirou de seu suporte e empunhando-o como a uma espada continuou a caminhar, com cuidado. Estava provavelmente de baixo da casa, aquela construção tinha a aparência de ser antiga devido a parede exposta, formada por pedras e de aspecto medieval. Era a passagem para algum lugar, ainda não sabia para onde, mas iria descobrir. Os ruídos de seus passos agora eram secos e arrastados, era um piso cru, batido, com pequenas pedras no caminho e vez ou outra esbarrava em objetos perdidos, como taças, pedaços de vestimenta e até alguns ossos, mas não era possível saber se eram ou não humanos.
O corredor era largo e enquanto caminhava escutou um grunhido,  que o fez parar instantaneamente. Não sabia dizer de que lado vinha, olhou para trás pois teve a impressão de que vinha de suas costas, mas não viu nada. Mais uma vez escutou o grunhido, e virou-se pra frente rapidamente, agora parecia que vinha de algum lugar a sua frente, mas também não viu nada. O som de uma respiração ofegante o deixou ainda mais alerta, e bem devagar olhou para cima. Pode ver apenas dois olhos brilhantes como rubis que o encaravam, a escuridão era tamanha que não pode reconhecer que tipo de criatura o encarava. Abaixou um pouco o archote e com a outra mão tentou alcançar sua arma presa a cintura, retirou-a com muito cuidado mas a respiração ofegante que ouvira cessou. Apontou rapidamente sua arma para o local de onde vira os olhos de rubi o encarar, mas não havia mais nada. Porem ele sabia que a criatura o observava de algum ponto desconhecido, e dando pequenos passos avançava esperando ser atacado a qualquer momento.
Mais a sua frente esculturas que pareciam gargulas estavam suspensas em pequenos pedestais, aproximou-se de uma delas para examina-la e ganhar um pouco mais de tempo para que a tal criatura que o seguia se aproximasse. Mas já não ouvia mais a respiração ofegante ou os grunhidos, e baixou a arma na intenção  de guarda-la. Foi quando escutou um grunhido muito alto vindo de sua frente e armando-se novamente apontou sua arma para a escuridão pouco iluminada por seu archote. Aguardou mais uma manifestação, mas nada aconteceu.
Bem perto de seu pescoço sentiu uma respiração quente que o fez lembrar que ainda era mortal, mas não pode se virar para encarar esse desconhecido. Uma pancada violenta o atingiu fazendo-o perder os sentidos.
Desacordado no chão alguém se aproximava dele.