sábado, 23 de abril de 2011

IV- O SEGREDO DA CAIXA

À volta para casa foi confusa. Eddy ainda não conseguia entender como Pam havia entrado no quarto de Paul, e como ela havia fechado a porta como ele encontrara. Olhando para a menina pelo retrovisor enxergava apenas um pequeno anjo que bocejando já lhe dava sinais de que estava com sono. E olhando para o banco ao seu lado, Eddy contemplou a fantástica caixa. "O que será que essa caixa esconde? O que pode estar aí dentro?". Mas enquanto ainda se perguntava, lembrou das advertências do irmão, para que não a abrisse de maneira nenhuma, pois era muito perigoso. "Mas Paul nem sabe o que tem nessa caixa, como pode saber se é perigoso ou não?". E ainda questionando-se Eddy chegou a casa, carregando Pam já adormecida no colo, levou-a até a cama, beijando-lhe a testa, fechou a porta do quarto e deu uma última espiadela. Ela estava dormindo.
Voltando até o carro, pegou a caixa em cima do banco e levou-a para dentro. Acendendo a luz do pequeno escritório, colocou-a em sua mesa e sentou-se em uma poltrona um pouco afastada e ficou a observá-la. Seu brilho era incrível, parecia mais que dela irradiava luz, as figuras em alto relevo ganhavam vida, era como se as visse em movimento, e as pedras coloridas prendiam a atenção de qualquer um que a olhasse, era impossível não admirar a beleza daquele objeto.
Pequenos pés caminham pela casa em direção do escritório. Param e voltam a andar, como que se suspeitassem de sua presença. Chegam até a porta do escritório e silenciam. Eddy sentado na poltrona, de costas para a porta não percebe que não está mais sozinho. Pam o observa, porém não observa somente Eddy, seu olhar também se volta para a caixa na mesa. O olhar da garotinha não está mais repleto de luz, pelo contrário, de seus olhos o que se irradia não tem nome, um contraste muito grande entre a inocência e o desejo.
Eddy tem vontade de abrir a pequena caixa, mas não consegue. Fez uma promessa para o irmão, e teria que cumpri-la, mesmo que para isso lutasse contra a própria curiosidade. Um arrepio lhe percorre o corpo, teria esquecido a porta aberta? Olhando para trás percebe que havia deixado a porta aberta atrás de si, mas não estava ventando, de onde teria vindo aquele frio que percorreu seu corpo? Olhou ao seu redor e notou-se solitário com sua caixa magnífica. "E apenas uma olhadinha? Quem iria saber?" Seu pensamento foi interrompido, uma janela bateu alertando-o de seu devaneio. "Não, eu não posso fazer isso, prometi para Paul que não faria nada disso."
Ele sabia que era melhor esconder aquele objeto que o deixava tão confuso, precisava encontrar um lugar seguro para que ninguém caísse na tentação de abri-la, mesmo que para isso tivesse ele mesmo que esquecer essa insistente pergunta que martelava em sua cabeça, "O que tem aqui dentro?". Lembrou-se da cabana de ferramentas no fundo do quintal, não era o lugar para uma caixa como aquela, mas justamente por esse motivo era o lugar perfeito para escondê-la, e esquecê-la, se não estivesse mais diante de seus olhos, seria mais fácil continuar a vida sem distrações, cumprindo a promessa feita ao irmão.
A chuva fina ainda caia, e mesmo podendo guardá-la no dia seguinte, Eddy achou melhor fazer isso enquanto Pam estivesse dormindo, afinal ela havia visto a caixa, e desse modo ela não saberia onde ele escondera o precioso objeto.
A luz acesa na varanda da cozinha iluminava uma pequena trilha de pedras que levava até o fundo do quintal, diante de uma porta de madeira, e caminhando apressadamente para não se molhar muito Eddy carregava a caixa dourada enrolada em um tecido de veludo. Empurrou a porta com um dos ombros e rangendo ela se abriu, a bagunça de ferramentas fez quase com que tropeçasse, e passando por cima de martelos, chaves e parafusos chegou até o armário de ferro enferrujado. Era um armário muito antigo e gasto pelo tempo, sujo de graxa e com as prateleiras tortas, dentro dele alguns fios e arames ainda insistiam em permanecer pendurados nos pregos tortos esquecidos na parede do fundo.
Eddy colocou o embrulho em uma prateleira na parte de baixo, encostou-o bem no fundo e fechou como conseguiu a porta enferrujada. Sentiu certa tristeza, como se estivesse se separando de algo muito especial, pensou em desistir e olhar dentro da caixa antes de abandoná-la naquele lugar tão contrastante com sua beleza, mas conseguiu se controlar e dando um passo para trás saiu pela porta. Encostou-a com todo o cuidado e voltou pelo pequeno facho de luz que vinha da casa. Chegando à varanda chacoalhou os cabelos molhados e olhou mais uma vez na direção da cabana, e suspirando aliviado sentiu-se bem, pois havia vencido a tentação.
Entrando na cozinha, fechou a porta, e quando deu poucos passos perdeu a consciência. Pequenas mãos empurraram um vaso de flores que estava suspenso no andar superior, atingindo a cabeça de Eddy. Os passos velozes desceram as escadas, os antigos olhos meigos, olharam-no com prazer e confirmaram que ele estava desacordado. Uma risada infantil, cínica e hipócrita rompeu a noite chuvosa. Pam passou por cima do corpo estirado, pisando com força aquele que a acolhera. E abrindo a porta da cozinha, seguiu pelo mesmo caminho trilhado por Eddy poucos minutos atrás. A porta de madeira estava fechada, mas bastou que a garotinha fechasse os olhos para que o rangido fosse ouvido e o obstáculo não existisse mais. Pam ria, e parecia conversar com alguém, vozes e sombras a envolviam, como que se estivessem a brincar com ela, a menina se divertia, mas a cena era assustadora.
O ruído de unhas arranhando o ferro chamou a atenção da garotinha, e virando-se viu o velho armário enferrujado, que abrindo a porta revelava um tecido de veludo escondido em uma das prateleiras. Pam se aproximou a retirando o embrulho do velho armário descobriu o que estava escondido em baixo do tecido. A caixa.
Eddy sentiu a cabeça explodindo, e passando a mão por entre os cabelos, molhou os dedos em um liquido viscoso, e mesmo sem enxergar direito o que era, conhecia bem aquele cheiro, seu sangue estava no chão, e molhando seus cabelos.
- Pam! Pam!- ainda tonto e com dor, ele gritava, imaginava que alguém poderia ter machucado sua garotinha.
Segurando-se no corrimão, subiu as escadas em direção ao quarto da menina, e abrindo a porta não a encontrou. Olhando pela janela do quarto viu uma luz acesa no quintal, e a luz vinha de sua pequena cabana. Eddy se esqueceu da dor, precisava ir até a cabana, "o que está acontecendo?", era tudo o que conseguia pensar, e descendo as escadas aos tropeços saiu pela porta da cozinha gritando o nome da menina.
Os dedos pequenos e delicados de Pam percorriam a superfície da caixa, e cantarolando uma canção desconhecida ela procurava uma forma de abri-la. Seus dedos infantis acariciavam as figuras de deuses e o ferrolho da caixa estava quase se abrindo aos encantos da menina. Uma pequena trava se rompeu, e o delicioso barulho fez com que Pam mostrasse seu mais belo sorriso, o de satisfação.
O momento mais esperado estava diante de Pam, ela abriria a caixa, e seu conteúdo seria revelado. Com toda sua delicadeza ela levantou um pouco a tampa, e as sombras e vozes que a acompanhavam excitaram-se. Uma mistura de luzes e sons começou a escapar da pequena abertura, e a pequena cabana começou a inundar-se de imagens indescritíveis.
Eddy correu para a cabana, e suspreendeu-se com a visão que teve, terríveis figuras fantasmagóricas, gritos horrendos e calafrios em seu corpo fizeram-no parar. E Pam? Vencendo o medo entrou e se surpreende com o que viu.
Todo o ambiente estava impregnado de trevas, sofrimento e agonia, Eddy sentia na própria pele as impressões que vislumbrava, era triste e ao mesmo tempo assustador. Ele olhou ao redor sem compreender o que era tudo aquilo, e ver Pam sentada diante da caixa aberta, lhe confundia ainda mais. A garota escolheu seu melhor olhar de vítima e esperou pela reação de Eddy.
- Pam, o que você está fazendo? Feche essa caixa agora!
E sem pressa, a menina foi levantando a tampa e fechou a caixa.
- Agora sim Eddy, cada coisa está em seu lugar.
As sombras e os gritos espalharam-se, saindo por cada fenda e ganhando o mundo, sem limites, sem escolhas, invadindo cada pedaço do planeta, sujeitas apenas a vontade humana.

domingo, 17 de abril de 2011

III- OLHAR INGÊNUO

Paul não havia saído do hospital, como o previsto sua doença não tinha cura. Porém os médicos não sabiam como explicar sua resistência, já fazia mais de uma semana que diziam para Eddy que ele não duraria mais vinte e quatro horas. Mas ele sempre durava, e Eddy se aliviava quando chegava ao hospital e via o irmão, mesmo abatido, incontestavelmente vivo!
Mas Paul insistia com a história da caixa, e Eddy já estava curioso para saber que caixa era essa tão importante, que mesmo a beira da morte, para Paul, era de suma importância. E ele estava decidido a busca-la na metalúrgica e guardar-la como havia prometido.
O carro de Eddy não era tão antigo, mas já estava bem descuidado, os defeitos iam aparecendo, mas só eram solucionados quando o carro parava de andar. E não foi diferente naquela noite, Eddy precisou de um pouco mais de paciência que o de costume para fazê-lo funcionar, mas conseguiu.
A metalúrgica estava fechada aquele horário, mas a chave de Paul estava com o irmão. A noite estava chuvosa, era final do outono, e o clima frio era predominante, a chuva só fazia com que a noite ficasse ainda mais fria. As luzes da fachada estavam acesas, e ao chegar ao portão principal Eddy se entristeceu, sabia que aquela seria a última vez que entraria naquele lugar. Desligou o motor e disse para Pam, que estava no banco traseiro, que o esperasse, pois ele não iria demorar.
O portão era bem pesado, e com muita dificuldade Eddy conseguiu abrir um pequeno espaço, suficiente para que conseguisse entrar. E já do lado de dentro o que via não era muito agradável. A penumbra fazia com que o ambiente parecesse abandonado, apenas uma fraca claridade de algumas máquinas ligadas iluminavam a fábrica. Paul morava em um pequeno quarto nos fundos, e foi preciso atravessar toda a escuridão para chegar até a porta. Abrindo a porta, Eddy logo acendeu a luz e pode ver a bagunça deixada por Paul. Garrafas estavam espalhadas pelo chão, restos de comida em cima de uma pequena mesa, roupas pelos cantos e um cheiro horrível de umidade inundava o quarto. "Onde está a droga da caixa?" Eddy tentava encontrar a caixa em meio a desorganização, mas não estava obtendo sucesso.
Ainda no quarto, Eddy se assustou. Um barulho vindo da fábrica o deixou em alerta. O som de metal, algo que caiu, ou foi derrubado. Ele caminhou até a porta e não conseguiu enxergar nada, seus olhos acostumados agora com a claridade não conseguiram lhe ajudar.
- Quem está aí? - perguntou, porém não escutou nenhuma resposta. Entrou novamente no quarto e pegou um martelo que estava em cima da mesa, e empunhando-o saiu em direção ao portão principal. Caminhando por entre as máquinas teve a impressão de que não estava sozinho. Parecia até escutar o som de passos, mas não conseguia enxergar ninguém, estava começando a ficar com medo. Foi então que lembrou-se de Pam, e se alguém estivesse lá com ela?
Eddy correu em direção ao carro, mas quando estava quase chegando ao portão escutou novamente o barulho de metal batendo, e em um sobressalto voltou-se e olhou em direção ao quarto de Paul. Alguém havia entrado. Eddy ficou indeciso, deu um passo a frente em direção ao quarto, mas lembrou-se de Pam, sozinha dentro do carro. Decidido saiu pelo portão em direção ao carro. A porta estava aberta. Com o coração apertado, Eddy correu até o carro, e constatou o que mais temia. Pam havia desaparecido. Apenas seu casaco estava em cima do banco.
Eddy apertou o martelo com força em suas mãos, ele sabia onde ela estava, no quarto de Paul. Alguém a havia levado até lá, só poderia ser isso. Tinha que ser isso. Eddy enfurecido entrou pelo portão e caminhando agora sem notar mais nada ao seu redor, foi diretamente até o quarto. Porém a porta se fechou abruptamente, e ainda enfurecido Eddy não vacilou, e caminhando até a porta tentou abri-la, mas parecia estar trancada.
- Pam, você esta aí? - com a voz histérica Eddy já estava gritando- Abra essa porta! Quem está aí?
Mas ninguém respondia, e com o martelo Eddy batia na maçaneta, tentando quebra-la, e também aos solavancos, chutes e pancadas, enfim conseguiu. Quando pode ver o que estava acontecendo ficou sem entender. Pam estava sentada no chão, de costas para a porta e tinha alguma coisa a sua frente, pois a menina parecia hipnotizada com o que via.
- Pam, querida, está tudo bem?- Eddy dizia enquanto se aproximava.
Quando Eddy conseguiu ver o que estava a frente de Pam, parou. Era a caixa.
Não era uma caixa comum, nem se parecia com uma caixa. Era uma obra de arte, nunca em sua vida tinha visto algo com tamanha beleza. Era um objeto lindo, esculpido em ouro, com figuras de deuses em alto relevo, pedras multi coloridas em todas as faces, o brilho era hipnotizador. Enquanto a olhava era possível escutar uma suave melodia, vinda de dentro, do coração, era mágico! E Pam ao lado da caixa só tornava a cena mais fascinante, impossível saber o que era mais bonito, a beleza da menina e a caixa tinham grande harmonia.
Virando-se para Eddy, e com seu melhor sorriso, Pam o olhou bem dentro dos olhos, e com toda sua docilidade perguntou:
- O que tem nessa caixa?
Como se acordasse de um sonho, Eddy se aproximou da garotinha.
- Como você entrou aqui? Quem trouxe você? - Eddy ainda não sabia como Pam havia entrado sem ser vista por ele.
- Eu vim sozinha, você ficou bravo?- com os olhos meigos, Pam sabia como manipular o humor de Eddy.
Com um leve sorriso, ele se aproximou da menina, e passando as mãos em seus cabelos pediu que ela não o assustasse novamente, pois havia ficado muito preocupado. E com o sorriso certo, ela consentiu.
E ainda com a magnifica caixa a sua frente, Pam passava os pequenos dedos em sua superfície, e Eddy então lembrou-se do motivo de sua visita ao quarto de Paul, a caixa.
Pam segurou em uma das mãos de Eddy, enquanto ele tentava pegar a caixa com o outro braço.
- Eddy, o que tem nessa caixa?
- Não sei Pam, não sei.
Os olhos de Pam brilhavam ao falar da caixa, porém Eddy não percebeu.

domingo, 10 de abril de 2011

II- A CAIXA

Pam crescia. Não havia pai, mãe ou qualquer outra pessoa que a houvesse procurado. Por muito tempo os irmãos Eddy e Paul esperaram e até mesmo buscaram alguém que soubesse alguma coisa da menina, porém ninguém a conhecia, era como se ela não existisse, como um presente caído do céu, sem origem definida ou qualquer indicação de onde teria vindo. Então eles pararam de procurar, Pam já era parte da vida de Eddy, era melhor não esperar por ninguém. Os dias passando e seu carinho e amor pela criança cresciam juntamente. Alguns anos transcorreram como dias. Quando Eddy se preparava para o aniversário de sete anos de Pam, percebeu que ela era sua, e que ninguém mais a tiraria dele. Pam era muito especial, uma criança bem diferente das demais. Parecia que tudo o que ela tocava se transformava, era uma menina abençoada, pelo menos era assim que era vista por Eddy e Paul. A música era uma de suas habilidades, tocava violino com maestria, e sua voz era um canto aos Deuses quando entoava as canções que mais gostava. Poderiam observa-la por horas,e ela poderia também cantar horas a fio, adorava ser admirada.
Os canteiros de flores ao redor da casa estavam sempre floridos, as pequenas mãos da menina eram capazes de modificar até mesmo a ordem natural das flores, pois desde que começou a cuidar do jardim, as flores nunca mais abandonaram a sua companhia. Pam era iluminada, os olhos de Eddy a idolatravam, não era mais capaz de viver sem ela.
Certo dia foram passear perto da represa que ficava já nos limites da cidade. Paul e sua garrafa de conhaque também estavam presentes. Embriagado ele decidiu nadar, e chamou Pam para acompanha-lo. Eddy não queria, afinal a menina ainda era muito pequena, mas não teve como dete-la, quando percebeu ela já estava as margens da represa preparando-se para mergulhar. Paul de dentro da água chamava pela menina que sem medo atirou-se em sua direção. Ela afundou. E não subiu até a superfície mais. Desesperado Eddy correu para atirar-se em busca de Pam, mas quando estava perto de se jogar, ela aparece sorrindo na superfície segurando um colar de pérolas e gritando eufórica que o havia encontrado no fundo. Pam sabia nadar, ela não afundava, boiava ao lado de Paul, mas eles não sabiam como ela havia aprendido, afinal era a primeira vez que mergulhava em águas tão profundas. Tudo com ela parecia simples E era, muito simples.
Naquela tarde Eddy recebeu um telefonema. Era do hospital central, alguém havia dado o seu telefone como contato, mas não era possível dizer o motivo, seria necessário ir até lá. Pegando Pam rapidamente, Eddy foi depressa ao centro da cidade, precisava saber do que se tratava aquele telefonema.
Quando chegou foi informado de que se tratava de seu irmão Paul, que havia sido internado em estado grave devido a uma doença no fígado, causada pelo alcoolismo. O médico o informou que o caso de Paul era muito grave, seu fígado estava gravemente comprometido, mesmo que houvesse alguma maneira de recuperação já era tarde, não havia mais tempo.
Paul morava na metalúrgica onde trabalhava, seu trabalho desgastante e sua solidão faziam com que ele procurasse conforto na bebida, e foi assim por longos anos. Eddy sabia que o irmão não levava uma vida muito saudável, mas nunca o importunou com suas opiniões, achava que não tinha o direito de cobrar nada. Mas era muito doloroso saber de forma tão inesperada que seu irmão estava condenado.
Quando Eddy entrou no quarto em que seu irmão estava pode ver a situação real de Paul, o abatimento, a melancolia, o arrependimento, a tristeza que o envolviam. Teve pena, mas não poderia dizer isso. Pam soltou as mãos de Eddy e correu ao encontro de Paul. Este sorriu para a garotinha, e pediu que ela deitasse ao seu lado no leito. Pam deitou-se e com os olhos marejados perguntou com toda docilidade:
- Você vai morrer?
Paul sorriu, e disse que não, não agora. Seus olhos se encontraram com os de Eddy, e diziam o inverso daquilo que Pam acabara de ouvir. Levantando-se bem devagar, tentando deixar o corpo um pouco mais ereto na cama, Paul disse:
- Pam, vá comprar uns doces naquela maquina do corredor pra mim?
- Vou, mas posso comprar pra mim também? - disse a menina com o olhar de piedade já preparado.
- Claro que pode, pegue o dinheiro aqui com o Eddy.- disse Paul colocando a mão nos bolsos do irmão em busca de alguma moeda. Eddy porém não perdia o mal-humor e resmungando retirou algumas moedas e entregou a Pam, que saiu correndo em busca dos doces.
- O que você tem prá me dizer? - perguntou Eddy- É algo que Pam não pode saber, mas o que é?
Com o semblante sério, Paul disse com cuidado:
- Preciso que você esconda algo para mim.
- Você não toma jeito mesmo, nem doente e acamado você deixa de arrumar confusão! Não me conte nada, não quero nem saber das suas trapaças e confusões, me deixe fora dessa!- irritado disse Eddy.
- Não é nada disso, é coisa séria. Você precisa esconder uma coisa prá mim, é muito importante.
- Esconder? Coisa boa é que não deve ser! É alguma coisa roubada?- perguntou o irmão.
- Nada disso! Eu devia ter te contado antes, mas não tive coragem, agora escute. Preciso que você guarde uma caixa para mim.- disse Paul com todo o cuidado, e continuou- É muito importante que você a esconda bem e não deixe ninguém abri-la, nem mesmo você, nunca, por nenhum motivo no mundo, nunca, jamais abra a caixa.
- Tá, mas o que tem nessa tal caixa? - perguntou Eddy curioso.
- Eu não sei, eu não abri.
A risada estridente de Eddy quebra o clima silencioso e em um rompante de ironia ele diz:
- Você quer que eu esconda uma caixa que nem você sabe o que tem dentro, e não quer que eu saiba também? É isso?
- Sim, é isso.
- Ah! Fala sério! O que tão te dando nesse soro aí? Vodka?- disse Eddy rispidamente.
- Tá eu sei que parece estranho, mas é a última coisa que te peço, você sabe que eu não vou voltar.- a voz de Paul rouca trouxe o clima silencioso de volta.- Preciso de você, é a última coisa que lhe peço, se não quiser fazer por mim, faça por Pam.
- Afinal, do que você está falando? O que Pam tem haver com essa tal caixa? Não estou gostando dessa história, me fala logo o que tem dentro da caixa vai!
Pam abriu a porta sorridente, e com as pequenas mãos sujas e cheias de doces, correu até o leito de Paul e colocou todos os doces em cima de sua barriga.
- Pronto, pode escolher, o que você não quiser pode deixar que eu como.- disse a menina com um doce na boca.
Paul olhou para Eddy, e não era preciso dizer mais nada, os olhares simplificavam o diálogo.
- Vamos Pam, Paul precisa descansar depois a gente volta.
A menina beijou-o e saltando da cama saiu correndo porta afora.
- Eddy, por favor!- suplicou Paul.
- Que saco! Diz logo onde está a droga da caixa!

domingo, 3 de abril de 2011

I- PANDORA

O galho insistente batia com força na janela da cozinha, o vento o chacoalhava violentamente, e Eddy não mais se assustava com o barulho, já fazia tempo que ele queria cortar aquele galho, mas só se lembrava disso quando chovia e o vento forte fazia com que o galho o recordasse. Mais uma noite sozinho, já estava acostumado com a solidão, achava impossível naquela altura da vida encontrar alguém que o suportasse, pois a solidão faz isso com as pessoas, ficam exigentes, e reservadas, mesmo que encontrem alguém parecido, os defeitos aparecem, mais cedo ou mais tarde. Se não aparecem são inventados.
Uma batida surda interrompe seus pensamentos, não era a janela, agora era a porta da sala que com sua batida o chamava, alguém estava a porta.
Paul era seu irmão, estava ensopado na soleira da porta, e assim que ela foi aberta entrou rapidamente, trazendo consigo pacote bem grande.
- Nossa! Mas como está chovendo! Veja como estou molhado!- disse Paul.
Eddy, mal-humorado por ver o irmão molhando toda a sua sala lhe respondeu:
- Estou vendo! Péssimo dia para visitar as pessoas!- o tom de sua voz cínica não abalou Paul que sem dar importância continuou a falar.
- Bom, ainda bem que ela não se molhou muito!
Eddy não entendeu o comentário do irmão, e com cara de dúvida o encarou, esperando que explicasse o comentário, ou lhe dissesse que estava bêbado. Porém ele não estava bêbado, tinha uma "ela" naquela história. Paul levantou uma toalha que cobria uma cesta enorme, e dentro estava "ela".
- Mas que diabos é isso?- foi tudo o que Eddy conseguiu dizer.
- Ei, não precisa falar assim, é só uma criança! E veja como ela é linda! Parece um anjo!
- De quem você roubou essa criança?- perguntou-lhe o irmão.
- Por que você sempre acha que eu estou fazendo a coisa errada? Eu não roubei nada, ela apareceu na porta da metalúrgica.
- E o que você está fazendo com essa criança na chuva? Enlouqueceu? Leve-a para a polícia!
- Eu não posso, olhe prá ela, não tenho coragem de fazer isso, pense no que poderia acontecer se uma pessoa má ficasse com ela!- Paul colocou toda a emoção na voz, tentando fazer com que o irmão o compreendesse.
 Eddy debruçou-se sobre o cesto e olhou com mais cuidado para a criança. E pode entender do que o irmão estava falando.
A menina era linda, com olhos brilhantes de um azul jamais visto, pele clara e delicada, cabelos ruivos muito finos que lhe davam um ar de graciosidade, tinha no máximo um ano de idade pois já tinha expressões infantis precoces, parecia um anjo, uma escultura de Afrodite.
- Você entende do que estou falando agora?- perguntou Paul.
- É... ela é tão linda, mas...o que você vai fazer com ela?- perguntou Eddy saindo da hipnose causada pelos olhos da menina.
- Eu pensei em deixá-la com você.
- O QUÊ???? Você enlouqueceu? Eu não posso ficar com ela, não quero nenhuma criança na minha casa! Não quero um adulto dividindo espaço comigo, imagine uma criança! Nem pense nisso!- respondeu Eddy.
- Mas meu irmão, eu não tenho como cuidar dela, você sabe que eu moro na metalúrgica, e lá não é lugar para uma criança, é muito perigoso. Precisamos ajuda-la, até encontrarmos os pais dela!
- Você sempre me envolve nas suas confusões! Mas isso já é demais! Esqueça!
Um choro rompe a discussão, com os olhos lacrimejantes a menina chama a atenção, e fazendo um beicinho de tristeza olha para Eddy, como se adivinhasse os pensamentos dele, e faz com que o coração duro daquele homem vacile.
- Veja, ela gosta de você- diz Paul, tentando persuadir o irmão a mudar de ideia, porém aquela pequena menina já havia feito isso antes. Eddy cedeu.
- Tudo bem, eu concordo que a sua metalúrgica não é mesmo lugar para essa menina, mas escute bem, é por pouco tempo, só até encontrarmos os pais dela.
- Ótimo! Eu sabia que você me entenderia, precisamos cuidar dessa menininha, ela me deixou apaixonado com esse jeitinho, olhe para essa carinha!
- Pare com isso, ela não pode ficar, é só por um tempo. - as palavras de Eddy quebraram o clima amigável, era hora de ser racional.
Os dois debruçaram-se sobre a menina retirando-a de dentro do cesto e puderam olhar com mais atenção para ela. Colocaram-na sentada sobre a mesa, e puderam confirmar toda sua beleza. Não entendiam como alguém poderia ter abandonado uma menina tão linda. Ela era perfeita.
- Precisamos dar um nome prá ela. - disse Paul com cuidado olhando a reação do irmão.
Porém esse parecia mais uma vez hipnotizado pela criança, e respondeu acenando com a cabeça de forma positiva.
- Vamos chama-la de Pam. - disse Eddy olhando a menina com ternura.
- Tudo bem, é você mesmo quem vai cuidar dela! Afirmou Paul, mas o irmão não escutou a ironia, estava preso ao oceano nos olhos da menina.